Hoje, dia 23 de Abril, assinala-se o Dia Mundial do Livro e para marcar esta data resolvi fazer um post dedicado à relação que tenho (ou que por vezes nós, leitores, temos) com os livros.
É já tradição, no início da cada ano, desafiar-nos para X desafios literários. Seja ler um dado número de livros, completar séries, ler obras de autores de uma dada nacionalidade ou simplesmente tentar reduzir a nossa pilha de livros por ler, a verdade é que, invariavelmente, acabamos por criar estas metas.
Por um lado, são uma excelente forma de diversificar leituras, poupar algum dinheiro ou, simplesmente, tentar ir mais além e apostar em descobrir algo de novo. No entanto, podem também constituir verdadeiras condicionantes, comprometendo as nossas escolhas e, potencialmente, o nosso envolvimento com a história.
Apesar de os objetivos destes desafios serem, à primeira vista, orientados para a diversificação da leitura e organização do que temos pela nossa estante, a verdade é que também promovem a leitura rápida, especialmente quando nos referimos a desafios estilo Goodreads (ler X livros durante 2014). Pode ser um desafio "imposto" pela própria pessoa, mas não deixa de criar uma meta que se procura alcançar o mais depressa possível ou, pelo menos, acompanhando um dado ritmo. Claro que, para conseguir cumpri-lo, a tendência poderá passar por escolher livros mais pequenos ou com histórias que sabemos de antemão serem mais acessiveis ou de rápida leitura. Clássicos ou livros com mais de 500 páginas (só para citar alguns exemplos) são mais facilmente colocados de parte para dar lugar a outro tipo de leituras, nomeadamente YA e contemporaneos estilo Anna and the French Kiss.
É neste âmbito que se pode falar de uma espécie de speed date com um livro. Num espaço de pouco tempo, procuramos lê-lo o mais rápido possível de forma a que possamos incluí-lo na nossa lista de livros lidos este ano. Um dos principais objetivos passa a ser o tempo de leitura e não tanto o envolvimento com a história e com as suas personagens. Por vezes, parece mesmo que o livro não é sequer "digerido" e que nos ficamos por uma apreciação algo superficial daquilo que lemos.
Claro que isto é uma generalização e que mesmo livros de YA podem ter boas histórias que nos levem a pensar, que nos prendam desde as suas primeiras páginas e que nos façam adorar as suas personagens, mas penso que o comentário também não é totalmente infundado.
No entanto, os desafios literários não são os únicos a que podemos apontar o dedo. Também as maratonas literárias (nas quais gosto de participar) também promovem o mesmo estilo de leitura. Ainda que subordinadas a determinados temas (outra vez, diversificação) e de se assegurar sempre que cada um lê ao seu ritmo, a verdade é que não deixam de ser eventos especialmente orientados para "despachar" leituras. Claro que são boas, especialmente quando há desafios, porque dessa forma acabamos por ir um pouco mais além na nossa experiência enquanto leitores e ponderamos sobre certos detalhes, ou pensamos um pouco mais sobre as suas personagens ou sobre determinadas cenas da história. Contudo, não deixam de ser uma outra versão de speed-dating que pode também condicionar as nossas escolhas.
Finalmente, faço ainda uma referência aos blogs. Lembro-me de ler um comentário de uma blogger que dizia sentir alguma pressão para ler livros com uma certa rapidez para manter um dado ritmo de publicação de reviews. Se havia quem tentasse ler um livro por semana, havia também quem fosse ao ponto de ler um por dia. Claro que aqui estamos a falar de uma situação extrema e que (pelo menos do que sei) pouca gente pratica, mas, mais uma vez, estamos perante uma das situações em que aderimos a algo (neste caso os blogs) por puro prazer de falar de livros e que acaba por criar uma certa pressão nas nossas leituras.
E depois deste testamento podem pensar "OK, tudo isso é muito bonito, mas tu também aderiste a não sei quantos desafios, participas em maratonas literárias e tens um blog onde publicas as tuas reviews" e é um facto. No entanto, reconheço que por vezes os desafios condicionam as minhas escolhas e que já dei por mim adiar a leitura de livros maiores pelo simples facto de querer alcançar rapidamente certos patamares nos meus desafios, ou sentir algum remorso por não ler um dos meus livros mais antigos (para cumprir o Mount TBR challenge) mas sim o que comprei há menos tempo.
Também já dei por mim a escolher livros mais ligeiros e a ficar satisfeita por ver o meu rápido avanço no desafio do Goodreads ou por conseguir publicar reviews com maior frequência aqui no blog.
E, finalmente, também já senti a pressão para ler mais rápido certos livros simplesmente para poder começar outro numa data concreta para poder depois comentá-lo em leituras conjuntas ou maratonas.
Claro que tudo isto depende muito de pessoa para pessoa e a forma como cada um encara a sua relação com os desafios, maratonas e blogs, mas deu-me que pensar. Acho que irei tentar pôr de lado os meus dias de speed dating com alguns livros e procurar perder mais um dia ou dois com cada um, para que possa sentir que realmente li algo interessante, com uma história cativante e personagens deslumbrantes. Ou simplesmente para que me aperceba de que, na realidade, o livro não era nada de especial, que a história não tinha nada de novo e que as personagens eram bastante básicas. O que importa é que sinta que dei a atenção devida a esse livro e que formei a minha opinião com base em algo mais substancial que uma mera impressão superficial e passageira.
E depois de todo este desabafo, o que pensam? Também dão por vocês em pleno speed date com um livro ou, na realidade, conseguem manter uma relação mais saudável e duradoura?